sexta-feira, 18 de março de 2011

No Corredor


Acordo empapado de suor. Ainda é madrugada, ao menos suponho que seja, aqui dentro do meu quarto é impossível saber a hora exata. Tento dormir novamente, não consigo, é impossível, a ansiedade me domina, dentro de algumas horas estarei dando o mais belo espetáculo de minha vida, um momento pelo qual sempre esperei.

            Decido parar de tentar adormecer. Não faz mais sentido sonhar, tenho poucas horas antes do “show”, preciso aproveitá-las acordado. Fico observando o teto, o mesmo maldito teto com que dei as caras assim que acordava nos últimos anos. É a última vez que o observo assim. Estou me despedindo deste lugar, deste mundo, indo para a glória, a transcendência.

            Finalmente a manhã chega, sei disso pelo rapaz uniformizado que passa em frente ao meu quarto apressadamente. Sendo assim, em pouco tempo o café  é servido: mingau de aveia, pastoso e doce, não é dos meus preferidos, mas me acostumei ao sabor.

            O rapaz aparece novamente trazendo uma visita, um homem com uma batina e bíblia na mão, um padre, presumo. Não entendo o que um destes quer ao me visitar, enfim, ele entra no quarto de forma cautelosa e senta-se na beirada de minha cama respeitosamente.

            E começa o seu discurso sobre Deus, céu, inferno, sentido da vida, perdão e Cristo. Depois de um monólogo interminável pergunta-me se quero me livrar da culpa, dos  pecados.

            Não o entendo, nunca fui pecador, nunca fui culpado de nada, sou um dos seres mais puros que já pisaram neste planeta, talvez a única culpa que tenha seja de ser um eterno lutador, um artista, alguém predestinado ao sucesso.

            Tento explicar isto ao camarada. Ele não entende e insiste em seu argumento. Digo que está muito enganado, que estava naquele lugar não por ser um condenado ou por ter cometido algum crime, e sim para me preparar para o espetáculo final, para a minha obra-prima essencial.

            Um abatimento cai sobre o rosto do homem. Ele se levanta, balança a cabeça tristemente e vai embora com as suas fábulas sobre o céu e o inferno.

            Estimo que se passem mais algumas horas. O nervosismo cresce dentro de minha alma, o coração parece que vai explodir. Será que estarei pronto? Será que irei satisfazer o público? A incerteza é angustiante.

            O almoço chega, mas não qualquer almoço, esse é especial, eu o escolhi, deram-me esse pequeno prazer. Feijões vermelhos, ovos, amendoins e suco de abóbora. Tudo na proporção exata. Engulo com voracidade, com o apetite de um rei. Sou o mais sortudo do mundo neste momento.

            Mastigando, uma reflexão vem a minha mente: depois de hoje, dentro de alguns minutos, suponho, não precisarei de refeição alguma, nunca mais, então por que ingiro esta? Alimentos servem para dar energia, para sobreviver, para dar continuidade a vida, e minha vida, bem... Confesso, esse pensamento infeliz tirou um pouco de meu apetite.

            Após o almoço, dois uniformizados aparecem, abrem as portas de meu quarto, e pegam-me pelos braços (ainda bem, não sei se iria conseguir ficar de pé sozinho) e sou levado.
         
            Enquanto sou arrastado ao destino final, passo a passo pelo corredor cinza escuro, tento relembrar o que me levou até aqui, lembranças vagas e imprecisas passam pela cabeça, não consigo conectá-las com o agora. Não importa, não é necessária explicação, talvez eu simplesmente sempre estivesse aqui, caminhando pelo corredor cinza escuro lustrado.

            Chego ao palco, olho com relutância A cadeira, onde farei a performance. O público sentado ao fundo dirige olhares frios como pedra a mim. Os uniformizados colocam-me  no lugar devido.

            O procedimento é iniciado. Sou amarrado, esponja molhada é colocada sobre  minha cabeça, assim como um tipo de capacete, gotas d’água escorrem sob meu rosto. Sinto-me tenso.

            Um dos uniformizados começa a falar em voz alta, cita um nome várias vezes, de alguém que certamente não conheço, um sujeito que cometeu vários crimes hediondos e outras besteiras que não tinham nada a ver comigo. Deve ser algum faz de conta, parte do teatro.

            Perguntam-me se tenho últimas palavras, não, não as tenho, tudo o que faço é sorrir de forma nervosa. Mostrarei o que realmente sou, o importante, no espetáculo a seguir.       

            “Que Deus tenha piedade de sua alma”, diz um homem. A platéia me olha de forma raivosa, sedenta por um pedaço de mim. Bem, logo terão isso. Fico feliz.

            Uma alavanca é acionada. Corrente de excitação pelo corpo. O show começa.

         

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