sábado, 9 de abril de 2011

Rumo às estrelas


Sorriso banguela, roupas esfarrapadas, barba branca, cheiro moribundo, e, é claro, sempre com uma garrafa da cachaça mais barata e letal que o dinheiro pode comprar.

Era só mais um dos que fazem parte do seleto grupo da chamada escória da sociedade. Andava pelas ruas, noite e dia, bebendo vorazmente o seu veneno, e, quando este acabava,  dava de ir de porta em porta pedir alguns trocados, e, naturalmente, em tais situações,  mentia descaradamente: ‘Ô, doutor’-  chamava a qualquer um de doutor, até mesmo o mais humilde operário- ‘ eu e meus cinco filhos não comemos nadinha há três dias, poderia, pelo amor do Senhor Jesus Cristo, me doar algum dinheirinho?’   
      
            Na maioria das vezes tudo o que conseguia era uma desculpa qualquer, como ‘Não tenho dinheiro hoje, volta outra hora’ e ‘Minha mãe não está, ela que tem o dinheiro..’, entre outras mentiras óbvias, já outras pessoas simplesmente fechavam a porta na cara dele, um modo bem mais honesto.
       
            Às vezes, só às vezes, de tanta insistência conseguia alguns trocados furados, e lá ia ao primeiro boteco que avistasse saciar a sua sede interminável.
       
             Apesar de tudo, não era louco, ‘Bêbado, sim, mas doido não, doutor!’, dizia indignado, tinha um imenso carisma e até bastante daquela sabedoria inestimável dos vadios.
       
              Conversava com qualquer um, seu jeito palhaço cativava muitos, parecia nunca se importar com sua situação.
       
               Quando alguém, motivado pela curiosidade mórbida, perguntava sobre seu passado, ele dava respostas desconexas e fantasiosas, ‘ Fui boxeador, derrubei muitos putos no ringue, fiquei bastante famoso, mas problemas físicos me afastaram disso..’, já outras vezes, ‘Era engenheiro, ganhava um bom ordenado, mas, sabe como é, cansei dessa vida, tediosa demais, larguei tudo e resolvi me tornar o sujeito galanteador que sou hoje’, vociferava com aquele sorriso sarcástico.
             
               Alguns poderiam classificar tais respostas como provas de insanidade, mas não eram, ele era um daqueles que não se atreviam a olhar para trás, sabia o perigo de certas memórias, sendo assim, quando perguntavam sobre sua origem, inventava uma boa história para satisfazer o ouvinte.
           
            Sempre que podia, tentava  “filar” cigarros de qualquer um que fosse, irritava os travestis com seus pedidos, ‘Dercy, que bela moça você é! Eu,como um cavalheiro, não posso deixar de observar que uma dama esbelta, como a senhorita, está cultivando esse horrível hábito de fumar. Façamos o seguinte: dê-me este maço de cigarros, vamos lá, meu corpo já está todo destruído, não irá fazer diferença a mim, dê-me, não seja arrisca, estou salvando sua vida...’

            Era o imperador de um mundo sujo e decadente, e nesse mundo, passado e futuro não existiam, só o agora, só o trago quente da bebida descendo pela garganta, os devaneios infinitos.

            Junto com as putas, drogados, marginais, dentre outros elementos, vivia um ciclo interminável e vicioso. Sua única poesia era a noite nas ruas, as luzes, tanto a das estrelas, como a dos postes, só existia isso, na vida endiabrada que levava.

            Largara sabe-se lá o que, rejeitará todas as convenções da sociedade para seguir um caminho autodestrutivo, trabalho, família, impostos, hipocrisia, medo, hipoteca, governo, casa, carro, viagem de verão, escola dos filhos, mandou tudo para o inferno. Seu único e último prazer, e amor, era caminhar sem direção em seu jardim do Éden, com sua poção de esquecimento na mão, rumo ao nada.  

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